Era uma vez um touro chamado
Rubão e uma passarinha chamada Bela. Eram muito jovens quando se encontraram por acaso no
meio do campo, caminhando distraídos pela vida.
Ele era cortejado no meio das
vaquinhas, porque andava todo gaboso em um carro de boi lindo de morrer.
Devido a esse carro de boi, mesmo
tendo os olhos castanhos, virou o touro dos olhos verdes.
Era forte, amigo, leal, gostava
muito de dançar e queria muito uma companhia para passear naquele carro de boi famoso no campo.
A passarinha batia asas sempre
por ali, mas nem dava bola.
Ela não sabia muito bem quem era
e o que queria.
Era meio avoada, meio desligada,
fora da caixinha mesmo.
Como ele era confiável, um dia,
pela insistência dele, ela topou subir no carro com ele para se aventurarem em terras
estranhas.
E foram pra longe, muito
longe...lá pelas bandas de onde o sol ainda nem tinha nascido.
A história desse par meio
inusitado, um meio grandão, preto e branco, com uma pequenina multicolorida,
começou assim, do nada.
Pura aventura, com zero chances
de saber o que ia acontecer.
Tanto Rubão como a Bela eram
muito jovens, sem experiência nenhuma de grandes viagens e nunca tinham saído
da cerquinha dos seus quintais.
Á medida que a viagem ia
seguindo, os dois foram se entendendo, administrando suas diferenças, sabendo
que um precisava se apoiar no outro se quizessem chegar a algum lugar.
Como o touro Rubão sempre foi muito
trabalhador, se dedicou muito a isso.
Como a passarinha Bela sempre foi muito artista, também se dedicou muito a isso.
Como a passarinha Bela sempre foi muito artista, também se dedicou muito a isso.
Ela adorava música e passava o
dia ouvindo suas playlists, viajando com as músicas do mundo inteiro.
Ele mantinha de pé o mundo deles,
enquanto ela enfeitava com cores o mundo deles.
Um construía as estruturas, como
um engenheiro, e o outro pintava, decorava, rebolava, colocando arte naquele
monte de cimento frio, duro, seco.
Ele firme, persistente,
continuava na sua toada de construtor.
Devagar, no ritmo dele, era o porto seguro daquela passarinha avoada, porque puxava a cordinha dela para aquele balãozinho não sumir.
Devagar, no ritmo dele, era o porto seguro daquela passarinha avoada, porque puxava a cordinha dela para aquele balãozinho não sumir.
Ela toda aventureira, em um ritmo
mais criativo, nunca estacionava em uma só idéia.
Vira e mexe, durante a caminhada,
convidava o Rubão a mudar de direção e ir para caminhos diferentes.
Como um touro teimoso, no começo ele embirrava, empacava
e dizia que ela estava louca.
Mas ela estava disposta a
convencê-lo a todo custo.
Bela se enfeitava mais ainda,
penteava os penachos coloridos, borrifava perfume, amarrava uma bandana na
cabeça, caprichava nos trinados, se vestia de paciência, e o seduzia pra
conseguir entusiasmá-lo para mais um novo vôo.
Depois de muito custo ele topava...reclamando, mas topava.
Essa viagem dos dois, sem rumo, sem
destino, sem lenço e sem documento, sempre foi assim, com ela tentando tirar os
pés dele do chão.
De repente, assim do nada, sem
avisar, ela virava em uma encruzilhada qualquer e o carregava para um outro pasto,
para uma outra paisagem.
O convidava para carregar fardos
de couro nas costas, para fazer uma exposição de arte lá do outro lado do
mundo, para armar uma barraca colorida em uma praia qualquer, para fazer o
lançamento de um livro mesmo sem gostar de ler, pra aprender a dançar mesmo sem
querer.
Foram caminhando, caminhando,
caminhando assim...uma passarinha cheia de cores no cangote de um touro
cheio de força.
De vez em quando ele a puxava pra
baixo, de vez em quando ela o puxava para cima, dançando os dois um balé no
meio do céu.
Um dia olharam para trás e viram que essa viagem já durava muitos anos, que estavam juntos há muito tempo, mais do que a grande maioria dos seus amigos bichos conseguiam.
Um dia olharam para trás e viram que essa viagem já durava muitos anos, que estavam juntos há muito tempo, mais do que a grande maioria dos seus amigos bichos conseguiam.
Não sabiam como tinham conseguido
construir uma história tão longa e que tinha tudo para dar errado.
Só sabiam que tinham se esforçado muito para se entenderem, nem que fosse pelas diferenças.
Não mudaram as suas
posições naquele jogo que um dia resolveram jogar juntos...ele fuçando a terra
e ela se enfiando no meio das nuvens.
Quase todos os dias, a caminhada começava do mesmo jeito.
Rubão...Acorda, Bela. Já estou
pronto pra luta, para seguir nossa caminhada.
Bela......Espera, Rubão. Estou
tentando colocar uma música para a gente ouvir antes do sol nascer. Olha que
dia lindo, olha que sol, olha que flores!
Rubão...Ô princesa, quando você
vai levar a vida à sério?
Outro dia já estava escuro e ele caminhava lentamente, cabisbaixo, olhando para o chão, com aquele andar
pesado, mas persistente.
Bela......O que você está
procurando, meu touro?
Rubão...Uma idéia pra ganhar
dinheiro. E você, porque não para de olhar para as estrelas? O que está
procurando?
Bela......Uma inspiração pra ter
uma ideia nova.
Rubão...Você não serve de base
mesmo. Está em outro mundo. Vai ser feliz até velhinha dentro de um asilo para
passarinhos.
Rubão reclamava muito de dores no
corpo e a Bela não sabia mais como ajudá-lo.
Seus conselhos eram ineficazes
porque ele não acreditava no que ela falava ou aconselhava.
Suas crenças eram outras...ela acreditava que quase tudo
estava na cabeça, na mente, e que trabalhar o emocional
curava as dores.
Isso era falar em grego para
aquele touro duro na queda.
Bela......Rubão, para de carregar
essa mala pesada. É porisso que seus ombros doem e seu corpo grita. Deixa essa
bagagem pra trás, larga em uma estação qualquer. Vem levar uma vida mais leve
comigo.
Mas nada de convencê-lo.
Ele já levantava carregando aquele fardo pesado de ter todo dia correr atrás de grana, ou melhor, de grama.
Ele já levantava carregando aquele fardo pesado de ter todo dia correr atrás de grana, ou melhor, de grama.
Rubão...Se eu te acompanhar, a
gente não tem dinheiro nem pra comer.
Bela......Tourinho, alguma vez
sofremos além da conta? Alguma vez ficamos sem teto pra morar, sem comida pra
comer, sem dinheiro pra viver?
Rubão...Não.
Bela......Então, relaxa. Acredita. Confia.
Faça o que tem que fazer, mas de uma forma mais leve. Para de reclamar e
agradeça. Quanto mais agradece, mais recebe.
Rubão...É fácil você dizer isso.
Se um dia faltar comida pra gente você não vai nem sentir falta porque você só
come alpiste. Mas e eu?
Bela se acostumava com aquelas
reclamações e nem dava mais bola.
Um dia, ele exausto disse para
ela.
Rubão...Chega! Não dá pra fazer mais nada, não vou conseguir. Estou
cansado de caminhar.
Bela......Vamos, meu tourinho, você
vai conseguir. O verdadeiro segredo é pensar positivo. É simples. Basta
acreditar.
Ele cansava de ouvir isso e ela
cansava de falar isso: Vai dar tudo certo!
E lá vinha mais playlists de
músicas de novo.
E foram assim, ele caminhando e
ela voando, pulando todos os obstáculos que apareciam, resolvendo todos os
problemas e dificuldades que surgiam durante a viagem.
Em algum lugar eles deveriam
chegar...afinal, foi esse o plano,
lembram?
Bela......Rubão, estou meio
cansada de tentar voar e me esborrachar toda hora. Será que um dia eu consigo
parar e ficar mais no chão?
Rubão...Acho melhor você ficar
por aí, princesa. Aqui embaixo o trânsito está violento. Tem muito mais gente
no chão que nas nuvens. Por aí tem menos stress. Eu queria ser como você, mas
não consigo. Mas só de te olhar voando e batendo essas asas lindas coloridas já
me sinto melhor.
Um dia a Bela veio toda feliz
mostrando ao Rubão mais uma nova idéia.
Quando ele achava que já tinha
visto de tudo vindo dela, agora ela queria dançar.
Ela estava toda saltitante de
novo, a centésima vez saltitante de novo.
Seus olhinhos brilhavam, parecendo de um pintinho que achou um brinquedo novo.
Seus olhinhos brilhavam, parecendo de um pintinho que achou um brinquedo novo.
Rubão fez aquela cara de tédio,
aquela cara de "já vi esse filme".
Rubão...Você cansa a minha
beleza. Não para um segundo. Quando acho que já fez de tudo, você chega com
mais uma idéia. Você se contenta só de inventar. Não precisa nem ter grandes
resultados, não precisa nem materializar, não precisa de mais nada. Só de bolar
alguma coisa nova você já é a passarinha mais feliz da face da Terra, não é?
Bela......Mas e aí, tourinho?
Quer dançar comigo?
E abraçou seu corpo, cheia de
entusiasmo.
Bela......Nossa, parece que você
está pregado no chão. Nem lembra mais aquele meu touro dançarino que conheci e
que era disputado pra dançar por todas as vaquinhas do campo.
Ele estava duro e pesado, mas
continuava doce, amigo e companheiro como sempre foi.
E isso fazia valer a pena ela
tentar reverter aquela situação.
Fazer com que a sua memória voltasse e se lembrasse do que foi um dia, do que gostava, do que fazia o seu coração vibrar.
Fazer com que a sua memória voltasse e se lembrasse do que foi um dia, do que gostava, do que fazia o seu coração vibrar.
Mas estava difícil...na mesma hora que ela abria suas
asinhas e lhe abraçava o corpo ele as tirava dali.
Bela......Rubão, tá vendo o que
acontece quando se olha só para o lado material da vida? Você se esquece que
existe algo muito maior do que tudo isso. Que existe música, existe dança,
existe arte. E a vida perde a alegria. E a vida fica muito chata.
Em uma noite de lua cheia,
estavam os dois conversando sentados na grama, tomando um vinho, comendo uns verdinhos e uns alpistes, ouvindo mais uma música linda das milhares de playlists daquela passarinha metida a DJ.
Rubão...Eu sei de minhas
limitações. Você com suas loucurinhas criativas me apresentou a lugares que
nunca tinha visto. Você me deixa louco. Me fez fazer coisas que nunca faria.
Mas agora chega de caminhar. Já fui longe demais. Mais do que imaginei.
Bela.....Rubão, você sabe no que
acredito, não sabe? Eu acredito que aqui embaixo é uma escola. E que todos que
passam pela nossa vida, que cruzam o nosso caminho, vem trazer alguma lição
para ser aprendida. Eu sei o que eu mais tenho que aprender com você...a
simplicidade. Não conheço ninguém que não gosta de ti. Esse seu jeito de ser
faz meu coração mole chorar de emoção. Aliás, eu choro mesmo por qualquer
coisa, isso não é novidade nenhuma. Sabia que isso é o que mais admiro em você?
Rubão...Bom, se aqui é uma escola,
como diz, eu também sei o que eu mais tenho que aprender com você...a alegria
de viver. A cada vez que vejo você se entusiasmar por alguma coisa, vibrar, se
entregar, se jogar, eu penso que bem que eu podia ser assim também.
Bela......Mas eu não te entendo, meu touro. Sempre que você me vê cheia dessa energia, desse fogo, você quer
apagá-lo me jogando um balde de água fria. E me diz: Menos, passarinha, menos.
Achei que não gostava desse meu jeito.
Rubão...É porque vejo o tão pouco
que tenho dessa alegria. Tudo que nos incomoda no outro é um espelho da gente. E isso
dói. Já sei o que vai dizer, passarinha sábia..."aquilo que não gosto em
ti, corrijo em mim". Acertei? Estou aprendendo contigo.
Bela......O entusiasmo é Deus dentro
da gente, sabia? Agora chega de conversa fiada. Estou cansada. Vamos dormir?
Depois de uma noite inteira com aquela passarinha tentando entender o mistério da simplicidade da vida, o papo no travesseiro continuou:
Bela......Sem você, meu rei, eu
não teria sido nada. Talvez trabalhando em um horário comercial, frustada,
vendo a vida passar através daquela monotonia de todo dia igual, fazendo todo
dia a mesma coisa, conversando todo dia com as mesmas pessoas, esperando todo
dia a aposentadoria chegar. Com você ao meu lado, atravessando essa estrada,
minha vida foi muito mais divertida, sabia? Você nunca pediu para eu mudar meu jeito de ser. Você me deixou ser quem eu sou. Amo
você, seu grandão.
Rubão...Sem você, minha princesa,
eu também não teria sido nada. Talvez trabalhando até morrer seco, duro, frio,
como um burro de carga, guardando dinheiro debaixo do colchão, desconfiado de
tudo e de todos e sem conhecer o lado bom da vida. Sem tirar os pés do chão, as
minhas raízes iam ficar tão grossas que um dia iam me sufocar. Com você cheia
de cores ao meu lado nessa dura travessia, meu mundo deixou de ser branco e
preto e tudo ficou mais fácil. Adoro você. Você trouxe leveza, alegria e
vivacidade para a minha vida.
Bela......Mas, quer saber? Tem hora
que acho que você tem razão. Uma artista sábia, mas morrendo de fome não dá,
né? Ninguém pode ser sábio de estômago vazio.
Rubão...Quer saber? Eu também tem
hora que acho que você tem razão. Barriga cheia, mas com a cabeça vazia de sonhos
não dá. Ninguém pode ser feliz sem sonhar. A vida fica mesmo muito chata.
Um tédio só. Sem magia, sem graça.
Aqueles dois em um impasse sobre quem estava certo, quem estava errado, o touro acabou dando a solução.
Rubão...Já sei. Vamos fazer um
acordo. Vamos continuar nós dois juntos pra sempre, porque aí eu me comprometo
a colocar comida na sua mesa e você se compromete a colocar sonhos na minha
vida. Eu alimento o seu corpo e você alimenta a minha alma. E você me tira pra
dançar sempre, promete?
Bela..... Você tem razão, não
existe o certo e o errado. Existem escolhas que a gente faz. E ficarmos juntos
foi a nossa escolha. Isso nos pediu flexibilidade, entrega e aceitação. Meu tourinho,
se há uma coisa que a humanidade sabe complicar é justo aquilo que é o mais
importante para ela, o Amor. Não é verdade?
Aquele touro grandão e doce como mel, só acenou com a cabeça concordando.
Aquele touro grandão e doce como mel, só acenou com a cabeça concordando.
E assim, depois de assinarem essa
parceria debaixo da mangueira mais frondosa do campo, depois de jurarem com as
patinhas e asinhas cruzadas cumprirem cada um com a sua parte no acordo, a
história dessa dupla inesperada deu certo.
O touro e a passarinha foram
felizes pra sempre.
Cada um do seu jeito, sempre do mesmo jeito...ele olhando para baixo e ela olhando para cima.
Bem alimentados corpo e alma, o
céu e a terra vararam a noite dançando sem parar em uma noite de luar.
Moral da história...
As diferenças unem as pessoas.
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